14 de jul. de 2014

Carta de um Zé à Ninguém

Sou um rapaz pobre. Já fui mais. Nasci pobre, filho de mãe solteira e desempregada. Não sou ninguém muito importante. Sou apenas mais um brasileiro como milhões que surgiram como fruto do que foi o Brasil desde a sua invasão pelos europeus, e que se agravou profundamente durante o período da Ditadura Militar.

Cresci vendo minha mãe pular de emprego em emprego. Ficar devendo o aluguel da casa e de sempre ter que escolher entre pagar a dívida da mercearia do mês passado ou quitar uma das contas de água ou de luz para que não cortassem.

Me revoltei contra esse sistema que teimava em me dizer que, a mim, só restava continuar pobre, analfabeto e virar ladrão de galinha ou, com muita sorte, conseguir um emprego de cortador de grama em algum condomínio de luxo e ajudar nas despesas de casa. Me revoltei e lutei contra isso.

Lutei com as armas que tinha. Estudei. E eram horas dentro de casa, lendo, resolvendo problemas da escola, lendo novamente, enquanto ouvia os gritos dos meus amigos na rua, jogando bola, gastando as energias com coisas que toda criança gosta de fazer, e deve fazer. Mas eu? Eu saia pra brincar, mas só depois de me certificar de que tinha absorvido o que havia planejado para aquele dia.

Cresci. Virei adolescente. Continuei vendo meus amigos um pouco mais abastardos continuarem jogando, fazendo parte dos times da escola, viajando, e eu, estudando.

Dai, lembro que, passada a ressaca do Brasil arruinado pelo Governo Militar, veio a primeira eleição de um governo democrático. A conjuntura mundial já me chamava à atenção. A Rússia era socialista e os filmes que passavam na Globo (única emissora de TV que dava pra assistir com uma antena qualquer) me diziam que aquilo era ruim. Era o satanás querendo dominar o mundo. E era fácil absorver aquilo. Não existia internet. Se existisse, eu jamais teria acesso a ela, pois não tinha como comprar um computador.

Depois de ver aqueles filmes tipo 007, me debruçava nos livros de história que me contavam apenas a história que interessava aos dominantes.

Nesse meio tempo, eu vi o presidente eleito por vias democráticas ser destituído do seu cargo, também por vias democráticas. E vi também o segundo presidente eleito por essas tais vias democráticas dilapidar, em apenas sete anos, todo um patrimônio de uma nação que levou séculos para ser construído. Mesmo assim, continuei estudando. E gostava. Mas o sistema sempre foi cruel comigo. Na 5ª série foi contemplado com uma bolsa de estudos de uma escola que era referencia na região e, no ano seguinte, o presidente da República decidiu que o governo não deveria mais subsidiar estas bolsas. Fiz o que pude. Recebi ajuda de familiares e continuei estudando. Fui até o 3º ano com muita garra. Trabalhei como menor aprendiz em troca de meio salário mínimo, algo em torno de R$ 60,00. Consegui entrar num curso superior. Na época, como não existiam muitas vagas nas universidades federais, me restou, então, uma universidade privada.

Frequentei o curso ainda por dois anos e, depois de ter tentado o exercito, ter sido aprovado em todas as etapas do núcleo de formação de oficiais, algo que poderia me dar uma perspectiva melhor para concluir o curso, novamente, o presidente me passou a perna. Mandou fechar vários cursos de formação de oficiais da época, com a desculpa de ter que diminuir os gastos da Nação. Não conseguindo FIES e não havendo um PROUNI, tive que dar adeus aos meus colegas da graduação. Nesse tempo, os níveis de corrupção no país eram altíssimos, mas ninguém ficava sabendo porque denuncias e processos eram engavetados, e como os governantes dominavam também a mídia, nada era questionado ou divulgado. As empresas estatais, vendidas para diminuir a dívida externa, sequer supriram os juros dela. E eu me vi cada vez mais pobre, junto com o pais.

Tudo estava acabando. A classe média estava acabando. E então, eis que ela resolve aderir a um projeto diferente de governo. Em 2002, pela primeira vez, um presidente advindo das classes mais baixas da sociedade, um semianalfabeto, vândalo e nordestino, foi eleito presidente.

Demorou, mas, aos poucos, tudo foi mudando. As bolsas-auxílios, que já existiam, foram criticadas, mas mantidas, e ajudaram e ajudam nas despesas de milhões de famílias que, em troca, precisam apenas manter os filhos nas escolas, com boas frequência e notas. As vagas nas universidades federais aumentaram consideravelmente, e chegaram, inclusive, a regiões onde jamais se pensou em, sequer, se ter uma escola técnica. PROUNI, REUNI, bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado...

A política dos dois governos anteriores continua com o governo atual e é ele quem subsidia a compra de imóveis, veículos e eletrodomésticos. Diminuiu as taxas de juros. Fez caixa para pagar a divida externa e hoje financia outros países. Melhorou alguns portos, vários aeroportos. Inclusive, hoje é possível viajar de avião. Hoje é possível viajar! O Brasil fez uma Copa e vai fazer uma edição de Olimpíadas. Investiu em segurança, em cultura, na valorização do serviço e do servidor público com aquisição de equipamentos e melhoria das estruturas, e com a contratação em massa de novos funcionários através de concursos. Aliviou a folha dos Estados e Municípios para que estes também se reestruturassem e contratassem mais.

Ainda assim, algumas dezenas de milhares de brasileiros por ideologia política, ou por pura alienação, pregam na cruz a líder de uma nação por problemas que não são de competência dela e que se formaram desde o período da colonização. Gritam freneticamente contra a corrupção, mas não conseguem perceber a quem estão servindo com esse grito desesperado. E a lógica não se completa.

Por isso, mesmo reconhecendo que os avanços foram muitos, mas não o suficiente, é de extrema importância para mim, e para pessoas com um histórico parecido com o meu, lutar para que os falso profetas do apocalipse, aliados dos grandes centros de mídia nacional, de igrejas (católicas ou protestantes), de ruralistas e banqueiros, não retomem o governo que tanto lhes faz falta. Porque se é verdade que a história se repete, eu não quero passar novamente pelo que já passei.


Ah! E quanto à Rússia e o socialismo? Eu acho que o povo brasileiro prefere o capitalismo mesmo. Infelizmente.

Um comentário:

Flávio disse...

Você é um guerreiro, George. Seguimos na nossa luta por um país melhor. Tenho fé que não voltaremos às mãos dos neoliberais! Abraço.