Você evoluiu nos últimos dez
anos. Sim! Sua renda aumentou. Você comprou carro, mesmo que
financiado em 72x. Você tem moto. Já se deu ao luxo até de
contratar uma diarista. Viajou até 2004 de ônibus pro Rio
de Janeiro, mas fez questão de, desse período pra cá, só ir de avião. Deixou de tomar vinho carreteiro
com a desculpa de que seu fígado não aguenta outro mais barato que Quinta do
Morgado. Tem tablet e/ou notebook e celular
de última geração e não vê a hora de lançarem a nova versão. Comprou casa ou apartamento. Tudo
bem que foi com juros mais baixos e um subsídio até generoso. Entrou na universidade. Não
importa se foi por cotas ou se é numa "paga". Entrou no serviço público (por
concurso, claro) e ainda abriu seu próprio negócio.
E foi tudo, absolutamente tudo
por mérito seu.
Mas. E o que aconteceu com sua mãe,
seu pai, seu irmão ou primo mais velho? Eles também não lutaram o suficiente
pra ter o que você tem hoje? O que os diferencia de você?
Foi tudo por mérito seu.
Foi tudo por mérito seu.
Seus professores do ensino
fundamental, lá dos anos anteriores a 2005-2006, como sofriam com aluguel,
transporte público e falta de tempo e dinheiro para se capacitarem mais.
Lembra? Quase não havia mestres entre os professores do ensino médio? Nem na
rede pública, nem nas privadas. Eram pessoas esforçadas, estudadas, batalhadoras. O que lhe diferencia deles?
Claro! Você chegou onde chegou por mérito.
Claro! Você chegou onde chegou por mérito.
‘Abigo’. Não existem chances pra quem vem
da classe trabalhadora se não for através de políticas públicas. Olhe pra trás. Veja quantos mais
inteligentes e batalhadores que você só tiveram chance (se é que tiveram) agora, no mesmo período
em que você está tendo chances.
Olhe, mas não pra muito longe.
Olhe, mas não pra muito longe.
Mas tenha a certeza de uma coisa.
Mesmo que acredite fazer parte da elite, ou da nova classe média, nunca olharão pra você como parte
deles. No máximo, vão lhe aturar em troca de sua cumplicidade.
Você nunca será bem-vindo nos
lugares que eles frequentam. Se você for negro, então, mesmo que filho de médico,
engenheiro ou qualquer outro portador de algum título dessa natureza, sempre olharão
pra você com ressalvas. Se for branco, até se conformarão em lhe ter ao lado,
mas não demorará muito e você sentirá (se é que não já sentiu) que haverá
diferenças. Rirão de você sem que você perceba. Mas se comportarão como seus
amigos, em troca da sua cumplicidade.
Mas, você chegou lá por mérito
seu. É o que você acredita. E fará de tudo para ser aceito por eles, começando
por negar as políticas públicas ou de inclusão que lhe colocaram onde você está, o que fará,
por tabela, que numa perspectiva de um tempo não muito distante, outros, com muito
mais méritos, inteligência e disposição pra batalha que você, não consigam
chegar lá.
Agora que você chegou onde queria, que mudou de lado, e que tomou partido, responda no seu subconsciente: Se não for realmente por uma questão de políticas públicas, o que justifica os avanços dos últimos anos, em todos os campos, terem sido infinitamente superiores aos mais de 500 anos anteriores?
Nenhum comentário:
Postar um comentário