7 de mar. de 2022

Maria (animação), de Henrique Magalhães

Procurando o que escrever nesses para este blog me deparei com um texto pronto, solicitado para uma disciplina do curso de Cinema da UFPB, em que analisei um vídeo, um curta (curtíssimo), do Professor Henrique Magalhães. O nome? Maria. Simples assim. Ah! E disponível no Youtube para ser visto.

Tive que pesquisar sobre os personagens para entender o conflito que não existe apenas no filme, mas é uma realidade bem brasileira, que envolve sociedade, estado e polícia.

O texto você lê agora. Mas indico que veja o vídeo antes. Ele está aqui e só tem um minuto e meio.

ANÁLISE – MARIA. ANIMAÇÃO: 1’33. DE HENRIQUE MAGALHÃES

            Antes de analisar a animação criada pelo Professor Henrique Magalhães, é preciso conhecer Maria, em suas tiras, criada em 1975.

No documentário Eu sou Maria (2014), de Matheus Andrade e Regina Behar, Henrique se apresenta como a própria personagem: “Maria sou eu. Maria é minha vida. É o que eu penso e o que eu vejo do mundo.” (MAGALHÃES, 2014). Nesse contexto, extrai-se que o Professor Henrique Magalhães imprimiu em sua personagem, sua visão de mundo e sua preocupação com questões sociais, ligadas à luta das minorias, sobretudo a do feminismo.

Maria foi criada durante a Ditatura Militar, em 1975. No site na internet, que leva o nome da editora Marca de Fantasia, quando do lançamento do livro Maria, espirituosa... há 30 anos, em 2005, a radiografia de Maria é posta assim:

Maria surgiu no bojo da cultura alternativa, cultura de resistência a um contexto político de exceção. Sua fonte de inspiração foi a efervescência política e social do país, que lhe deu um caráter político semelhante à charge, no início de sua criação. As primeiras tiras da personagem traziam o grito contra o cerceamento político e intelectual, mas também a crítica às desigualdades sociais e aos costumes conservadores arraigados. (MARCA DE FANTASIA, 2005).

            A espirituosa Maria na animação aparece em cores. Apresentado por um lagarto, Varan, o curta mostra uma moça, Maria, que, ao se aproximar de um policial, demonstra sua inquietação com seu estado de fome. Essa fome é representada pela figura de linguagem RONC. Em reação, o policial corre atrás da moça até que também sente fome. A cena é um retrato rápido, porém profundo, do que motiva as diversas lutas sociais: quando o povo sente fome, ele se revolta contra o estado das coisas, contra as elites. A polícia, braço repressor do Estado e criado, provavelmente, quando da vinda da família real para o Brasil, em 1808 (MORAIS & SOUSA, 2011), para defender os interesses dessas elites, cumpre seu papel, atuando na perspectiva de atenuar ou eliminar o perigo que assombra a classe que “paga” seus salários.

            É preciso dizer que a leitura de Henrique sobre a sociedade é perfeita. A polícia que defende as elites, atua como se a ela pertencesse. Contudo, ela é composta, em grande número, de povo. Geralmente os policiais advêm da população pobre e negra, excluída, mas, alienados. Essa gente também sente fome.

            Maria corre da polícia. É mulher. É minoria. Na tira que originou a animação, o ultimo quadro mostra o povo botando a polícia pra correr. Percebe-se essa atitude em locais onde as tensões sociais são mais gritantes, como Rio de Janeiro, São Paulo e até mesmo Recife. A polícia, militarizada, bate, massacra a população pobre. Essa população, cansada de apanhar, se revolta contra a polícia. E ai se pode interpretar que essa revolta (a corrida do povo contra a polícia) pode se dar em diversos aspectos, até mesmo nas formações de milícias ou gerenciada pelo tráfico de drogas. Mas a tira mostra o povo, que não é Alphaville, organizado, com a barriga rocando, disputando o Estado. Mostra que o povo organizado pode mudar seu destino. Na versão em vídeo, o policial, ao chegar próximo de Maria, sente sua barriga roncar também (RONC). Então, ele se dá conta de que é povo e não elite, e para. Maria, agora “posuda”, retoma sua trajetória original. A ironia de Maria também é uma marca registrada.

            São elementos do cenário um balde de lixo que aparece duas vezes enquanto Maria se dirige ao policial e quando ela corre dele, e um hidrante. Este hidrante pode ter sido posto apenas para demarcar espaço no vazio amarelo do plano geral, mas pode representar um abafamento da perspectiva opressora alienada das polícias.

            Segundo Henrique (2014), Maria é fruto dos conflitos que ele vê na sociedade e que ele próprio enfrenta no cotidiano.

Referência:

MAGALHÃES, Henrique. Eu sou Maria. Youtube, 14 dez. 2014. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=SldSiLs_ma8>. Acesso em: 14 dez. 2020.

MAGALHÃES, Henrique. Maria. Youtube, 25 set. 2014. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ggVBnKz3kXg>. Acesso em: 14 dez. 2020.

Maria: Espirituosa... há 30 anos. Marca de Fantasia, 2005. Álbuns. Disponível em: <https://www.marcadefantasia.com/albuns/repertorio/mariaespirituosa/mariaespirituosa.htm>. Acesso em: 14 dez. 2020.

MORAIS, Maria do Socorro A.; SOUSA Reginaldo C. POLÍCIA E SOCIEDADE: uma análise da história da segurança pública brasileira. In: ESTADO, DESENVOLVIMENTO E CRISE DO CAPITAL: V Jornada Internacional de Políticas Públicas - V JOINPP. São Luís – MA: 2011. P. 3 – 4. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/PODER_VIOLENCIA_E_POLITICAS_PUBLICAS/POLICIA_E_SOCIEDADE_UMA_ANALISE_DA_HISTORIA_DA_SEGURANCA_PUBLICA_BRASILEIRA.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2020. 


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