4 de mai. de 2020

Saudades das coisas de antigamente


Nesse período de distanciamento, isolamento social, confinamento ou do que quiserem chamar, em determinado momento me vi obrigado a sequer olhar pela janela.

Foi um período tenso. Além dos protocolos que tive que seguir por estar com suspeita de ter contraído Covid-19, logo no início da chegada da doença por essas bandas, ficando em casa obrigatoriamente por duas semanas, a energia do meu filho de 3 anos e a suspeita que minha esposa tinha de que ela também estava infectada me deixaram cansado física e psicologicamente.

Briguei com quem não devia. Mandei quem não merecia ir catar coquinhos (não posso escrever o que realmente disse devido o alcance desse texto, rsrs). Não saber o que realmente se tem por falta de testes é o pior sintoma dessa doença.

Passou o período, pra mim, mais tenebroso antes da minha mãe adoecer após de ter descumprido o isolamento. A neura voltou mas, em alguns dias, passou novamente. 

Voltei a normalidade.

Dentro dessa normalidade me dei conta do quanto anormal estão as coisas lá fora. E digo anormal em tudo. Era superministro pedindo demissão. Ministro da saúde sendo demitido em meio ao caos. Presidente participando de manifestação de pessoas que pedem a volta do regime ditatorial militar e o pior: após denúncias do “herói da lava-jato” contra o presidente, pessoas ainda apoiando o tal mito. 

Realmente, não podia deixar de registrar o quanto eu acho que tudo está estranho lá fora.

E de tanto pensar, me deparei hoje com uma vontade imensa de lembrar de como as coisas de antigamente eram boas (dentro das possibilidades).
Apesar da infância pobre e da adolescência suprimida pela necessidade de trabalhar, eu percebi que havia coisas boas pra se viver.

Mas as saudades eram mais fortes das coisas pequenas.

Saudades de brincar na rua até a madrugada, correndo por vielas, me escondendo em buracos e casas abandonadas. E de brincar nas ruas durante o dia, num bairro que não tinha calçamento e onde podíamos jogar bola descalços, jogar pião, tampinha cross, bolas de fone (de gude), conversar com adultos, com crianças, com animais.

Saudades de ter frutas nas árvores nas ruas a nossa disposição. Mangas, jambos, pitombas, siriguelas, bananas, goiabas eram mato.

Saudades de levar bronca da nossa mãe e da mãe dos nossos amigos sem que isso levasse a uma discussão entre elas. Fazia parte da nossa educação. Eramos como uma grande família. E todo mundo respeitava todo mundo. Bem! Quase todo mundo.

Saudade de soltar pipa feita em casa. De pegar o carrinho de rolimã dos amigos. De descer ladeira rolando em pneus de trator.

Saudades de namorar. De ir pra casa das namoradas a pé, de ônibus, de bicicleta, sem vergonha por não chegar de carro na casa delas.

Saudades de jogar bola na quadra da escola. De ser escanteado no time da sua turma e virar o goleiro titular do time da turma dois anos mais nova.

Saudades de trocar o lado da chinela ou consertá-la com prego e usar até realmente não dar mais.

Saudades de ouvir ensinamentos dos mais velhos e acreditar que, por ter bastante idade, eles realmente sabiam de tudo.

Saudades de tomar vinho com amigos. De ser revistado pela PM só por ter cara de e se vestir como pobre (não eram opção) e depois poder contar isso como mais uma experiência vivida por um membro da periferia nos grupos de discussão política.

Mas, do que mais tenho saudades mesmo é de quando eu falava asneira e alguém tentava me convencer do contrário me trazendo fatos academicamente comprovados. Nos dias de hoje, eu trato de fatos academicamente comprovados e tentam me convencer do contrário me trazendo asneiras.