Nesse período de distanciamento, isolamento social,
confinamento ou do que quiserem chamar, em determinado momento me vi obrigado a
sequer olhar pela janela.
Foi um período tenso. Além dos protocolos que tive que
seguir por estar com suspeita de ter contraído Covid-19, logo no início da
chegada da doença por essas bandas, ficando em casa obrigatoriamente por duas
semanas, a energia do meu filho de 3 anos e a suspeita que minha esposa tinha
de que ela também estava infectada me deixaram cansado física e
psicologicamente.
Briguei com quem não devia. Mandei quem não merecia ir catar
coquinhos (não posso escrever o que realmente disse devido o alcance desse
texto, rsrs). Não saber o que realmente se tem por falta de testes é o pior sintoma dessa
doença.
Passou o período, pra mim, mais tenebroso antes da minha mãe
adoecer após de ter descumprido o isolamento. A neura voltou mas, em alguns
dias, passou novamente.
Voltei a normalidade.
Dentro dessa normalidade me dei conta do quanto anormal
estão as coisas lá fora. E digo anormal em tudo. Era superministro pedindo
demissão. Ministro da saúde sendo demitido em meio ao caos. Presidente participando de
manifestação de pessoas que pedem a volta do regime ditatorial militar e o
pior: após denúncias do “herói da lava-jato” contra o presidente, pessoas ainda
apoiando o tal mito.
Realmente, não podia deixar de registrar o quanto eu
acho que tudo está estranho lá fora.
E de tanto pensar, me deparei hoje com uma vontade imensa de
lembrar de como as coisas de antigamente eram boas (dentro das possibilidades).
Apesar da infância pobre e da adolescência suprimida pela
necessidade de trabalhar, eu percebi que havia coisas boas pra se viver.
Mas as saudades eram mais fortes das coisas pequenas.
Saudades de brincar na rua até a madrugada, correndo por
vielas, me escondendo em buracos e casas abandonadas. E de brincar nas ruas
durante o dia, num bairro que não tinha calçamento e onde podíamos jogar bola
descalços, jogar pião, tampinha cross, bolas de fone (de gude), conversar com
adultos, com crianças, com animais.
Saudades de ter frutas nas árvores nas ruas a nossa
disposição. Mangas, jambos, pitombas, siriguelas, bananas, goiabas eram mato.
Saudades de levar bronca da nossa mãe e da mãe dos nossos
amigos sem que isso levasse a uma discussão entre elas. Fazia parte da nossa educação.
Eramos como uma grande família. E todo mundo respeitava todo mundo. Bem! Quase todo mundo.
Saudade de soltar pipa feita em casa. De pegar o carrinho de
rolimã dos amigos. De descer ladeira rolando em pneus de trator.
Saudades de namorar. De ir pra casa das namoradas a pé, de ônibus,
de bicicleta, sem vergonha por não chegar de carro na casa delas.
Saudades de jogar bola na quadra da escola. De ser
escanteado no time da sua turma e virar o goleiro titular do time da turma dois
anos mais nova.
Saudades de trocar o lado da chinela ou consertá-la com
prego e usar até realmente não dar mais.
Saudades de ouvir ensinamentos dos mais velhos e acreditar
que, por ter bastante idade, eles realmente sabiam de tudo.
Saudades de tomar vinho com amigos. De ser revistado pela PM
só por ter cara de e se vestir como pobre (não eram opção) e depois poder
contar isso como mais uma experiência vivida por um membro da periferia nos
grupos de discussão política.
Mas, do que mais tenho saudades mesmo é de quando eu falava
asneira e alguém tentava me convencer do contrário me trazendo fatos
academicamente comprovados. Nos dias de hoje, eu trato de fatos academicamente
comprovados e tentam me convencer do contrário me trazendo asneiras.